MÓDULO II - PROPAGANDA ANTECIPADA
A vedação concernente à propaganda eleitoral antecipada, ou seja, aquela realizada antes do prazo legal fixado (no caso das eleições vindouras, 27 de setembro, nos termos da EC nº 107/2020) visa proteger a igualdade de oportunidades entre os candidatos, preservando-se o equilíbrio na disputa eleitoral e, consequentemente, a normalidade do pleito.
Não obstante, embora a proibição à propaganda antecipada ainda persista, o tema sofreu, ao longo dos últimos anos, profundas e relevantes alterações, que acabaram culminando num novo regime legal da matéria, radicalmente distinto daquele que vigorava até o pleito de 2016.
A guinada legislativa deu-se mediante o reconhecimento legal da figura do pré-candidato e o enxugamento do conceito de propaganda antecipada, de cuja abrangência foi extraída toda mensagem que não contenha pedido explícito de voto, admitindo-se ainda, expressamente, um extenso rol de condutas (antes proibidas ou recorrentemente judicializadas, embora não vedadas por lei) reunidas no art. 36-A da Lei nº 9.504/97. É o que leciona o doutrinador Olivar Coneglian:
Introduzido na Lei 9.504/1997 pela Lei 12.034/2009, o art. 36-A, já com redação proposta pela Lei 13.165, de 29.09.2015, modificou completamente o panorama, pois de um lado reconheceu expressamente aquilo que já existia no mundo real, o pré-candidato, e por outro, estabeleceu algumas possibilidades para a convivência das pré-candidaturas com a mídia e com o clima anterior ao período eleitoral. |
É certo que existe um tempo legal para se fazer propaganda, mas também é certo que o político precisa se expor, deve se mostrar aos eleitores para se tornar conhecido. Proibir isso é como proibir o político de existir. Não se concebe que o político fique em casa, quietinho, até a convenção, onde se lança como candidato, é aprovado, e volta para casa para esperar o 16 de agosto. |
O doutrinador Lídio Modesto da Silva Filho também destaca a importância da admissão da pré-campanha sob a perspectiva financeira:
Com o fim do financiamento das campanhas por empresas e restrição de doação de pessoas físicas a um percentual do valor declarado em imposto de renda no ano anterior, houve uma diminuição de gastos, de modo que o período de pré-campanha tornou-se relevante aos candidatos e partidos. (SILVA FILHO, Lídio Modesto da. Propaganda Eleitoral. 22ª ed. Curitiba: Juruá Editora, 2018, p. 56). |
Por seu turno, o doutrinador Alexandre Freire Pimentel adverte que o art. 36-A não pode ser interpretado literalmente, uma vez que os atos de pré-campanha enumerados em seus incisos constituem de fato propaganda eleitoral antecipada, só não ilícita. Confiramos:
Essa é a questão: se os atos permitidos pelo art. 36-A, da Lei nº 9.504/1997, não detiverem conteúdo eleitoral, não se pode falar, ao menos propriamente, de pré-campanha eleitoral; e não faria o mínimo sentido que uma Lei Eleitoral tivesse admitido a difusão de conteúdos relativos à “pretensa candidatura” que não contivesse conteúdo eleitoral. É induvidoso que os conteúdos elogiosos referentes às qualidades pessoais de pré-candidatos e à sua pretensa candidatura, permitidos em período de pré-campanha, são sim, ao contrário do que tenciona a literalidade do art. 36-A, propaganda eleitoral antecipada, mas permitida, propaganda lícita, que foge à regra obstativa do caput do art. 36 da mesma Lei. (PIMENTEL, Alexandre Freire. Propaganda Eleitoral: poder de polícia e tutela provisória nas eleições. Belo Horizonte: Fórum Conhecimento Jurídico, 2019, p.71). |
Inserindo, assim, a pré-candidatura na esfera da licitude, o art. 36-A tratou de traçar os limites de atuação dos pretensos candidatos, por meio da definição do âmbito de incidência da vedação à propaganda antecipada, estabelecendo as condutas que se encontram fora desse campo.
Dessa forma, dispõe que não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
a) a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
b) a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, da discussão de políticas públicas, planos de governo ou das alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;
c) a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos.
O art.36, §1º, da Lei nº 9.504/97 permite, ao postulante, a candidatura a cargo eletivo, a realização, durante as prévias e na quinzena anterior à escolha em convenção, de propaganda intrapartidária com vista à indicação de seu nome, vedado o uso de rádio, de televisão e de outdoor. |
d) a divulgação de atos de parlamentares e de debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
e) a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais.
A Resolução TSE nº 23.610/19 estendeu tal permissão legal em seu art.3º, inciso V, admitindo a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas também em blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos (apps). Mais à frente, no art. 27, §2º, o mesmo normativo reforça a permissão à livre manifestação do pensamento do eleitor no período da pré-campanha. |
f) a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;
g) a realização de campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23.
A permissão para a arrecadação prévia de recursos de campanha foi incluída no art.36-A pela Lei nº 13.488/17, que também estabeleceu o marco inicial da autorização, inserindo-o no art.22-A, §3º, da Lei das Eleições, in verbis: “desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do §4º do art. 23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro de candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário eleitoral”. O art.3º, §4º, da Resolução TSE nº 23.610/19, além de repetir o marco temporal de 15 de maio para início da campanha de arrecadação, exige ainda observância à vedação a pedido de voto e às regras atinentes à propaganda eleitoral na internet, nos termos da Consulta TSE nº 0600233-12.2018. |
Ressaltamos, contudo, que, em todos os casos acima, para que a propaganda não seja considerada antecipada, revela-se imprescindível a ausência de pedido explícito de voto pelo pretenso candidato, conforme consignado no caput do art.36-A da Lei das Eleições.
Na sequência do texto legal, o art. 36-A avança um pouco mais no abrandamento do conceito de propaganda antecipada, estabelecendo, em seu §2º, que, nas hipóteses dos incisos I a VII do caput, acima referidas, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver. Confiramos a lição de Olivar Coneglian acerca dessa norma: .
O que é “pedido de apoio político”? O candidato, se quiser pedir apoio político, deverá se manter dentro de um limite estreito de significados, para não acabar pedindo voto. Há diferença entre pedir voto e pedir apoio político. Pedir voto é pedir que o eleitor escolha o candidato pedinte como o merecedor de seu voto. Já pedir apoio político tem um significado mais amplo. O candidato pedinte quer que o destinatário do pedido aceite sua posição política, leia sua mensagem, concorde com seu programa, aplauda o que ele já fez, apoie o que ele pretende fazer. O limite é muito tênue, mas, se não houver pedido explícito de voto, não poderá haver problema para o pré-candidato. |
Ainda com o propósito de regulamentar a propaganda antecipada e evitar o desequilíbrio de forças entre os futuros participantes do jogo eleitoral, o legislador incluiu, no art. 36-A, precisamente no §3º, regra específica para os profissionais de comunicação social no exercício da profissão, explicitada pelo doutrinador Olivar Coneglian:
A natural exposição pública dos profissionais de comunicação social os diferencia de grande parte de pretensos candidatos, normalmente anônimos no meio social, de modo que a lei estipulou certas restrições na atuação desses profissionais a fim de manter o equilíbrio entre as candidaturas. O §1º do art.45 da Lei nº 9.504/1997 é exemplo claro disso ao proibir, a partir de 30 de junho do ano da eleição, a transmissão de programa apresentado ou comentado por pré-candidato… |
Destacamos, entretanto, que, para as Eleições 2020, a proibição de que trata o art.45,§1º, da Lei nº 9.504/97 terá início apenas em 11 de agosto, nos moldes da EC nº 107/2020.
Em arremate, após excluir expressamente algumas condutas da esfera da propaganda eleitoral antecipada, a Lei nº 9.504/97 apresenta, em seu art.36-B, uma hipótese configuradora da referida ilicitude:
Art. 36-B. Será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições. |
Ao tratar da questão da propaganda antecipada, o doutrinador Alexandre Freire Pimentel amplia o campo de análise do tema para além das hipóteses normativas acima comentadas, invocando a metodologia da tripla filtragem sugerida pelo TSE:
Enfim, o julgamento do AgR-REspe nº 9-24.2016.6.26.0242 SP, pelo Tribunal Superior Eleitoral tencionou fixar a tese para as eleições de 2018 a respeito do assunto. Estabeleceu-se uma metodologia para a análise do que pode ser admitido no período de pré-campanha, através do uso de três filtros hermenêuticos: o primeiro, tem a finalidade de verificar se o conteúdo divulgado é, ou não, propaganda eleitoral; o segundo, destina-se a constatar a existência de pedido explícito de voto; e o terceiro, visa deliberar se a forma de veiculação do conteúdo questionado é, ou não, permitida pela legislação eleitoral. |
Passando para a esfera jurisprudencial, no voto proferido nos autos do Recurso Especial Eleitoral nº 0600227-31.2018.6.17.0000, o Ministro Edson Fachin recuperou os critérios para identificação da observância aos limites legais para a propaganda no período pré-eleitoral, fixados por ocasião do julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP, elaborando um verdadeiro guia para a análise dos casos concretos, como podemos observar o excerto reproduzido abaixo:
Assim, naquele julgado, ficou assentado que: |
Em suma, de acordo com o posicionamento atual do TSE acerca da matéria, para que um ato de pré-campanha possa ser considerado lícito, ele deve preencher os seguintes requisitos:
Sobre o primeiro requisito, referente ao pedido explícito de votos, a jurisprudência do TSE firmou, no julgamento do supracitado AgR-AI nº 9-24/SP, o entendimento de que tal aferição deve levar em conta a presença das “palavras mágicas”, como “vote em”, “vote contra”, “eleja” etc., descartando a utilização do “contexto conceitual explícito”, mais amplo, como propôs o Ministro Admar Gonzaga na oportunidade.
As consequências geradas por descumprimento ao disposto nos artigos 36, 36-A e 36-B podem extrapolar o campo de incidência das multas se restarem caracterizadas práticas abusivas, como arrecadação e gasto ilícito de recursos (art. 30-A, Lei nº 9.504/97) e abuso ou uso indevido dos meios de comunicação (art. 22, Lei Complementar nº 64/90), podendo acarretar cassação do registro ou do diploma e inelegibilidade por 8 anos. |
Por fim, confiramos as ementas de alguns acórdãos reveladores do posicionamento jurisprudencial do TSE a respeito da matéria:
ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ATOS DE PRÉ-CAMPANHA. DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM DE APOIO A CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. UTILIZAÇÃO DE OUTDOORS. MEIO INIDÔNEO. INTERPRETAÇÃO LÓGICA DO SISTEMA ELEITORAL. APLICABILIDADE DAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS ÀPROPAGANDA ELEITORAL AOS ATOS DE PRÉCAMPANHA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE APONTAM PARA A CIÊNCIA DO CANDIDATO SOBRE AS PROPAGANDAS. RECURSO PROVIDO. |
Examinados os aspectos mais relevantes da propaganda antecipada, avancemos agora para o estudo da propaganda eleitoral propriamente dita, aquela realizada no período de permissão legal, começando pela propaganda eleitoral em geral.
Antes de passar ao próximo módulo, assista aos vídeos abaixo sobre Propaganda Eleitoral Antecipada e Enquetes Eleitorais.
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Para aprofundar ainda mais, acesse aqui o Manual de Propaganda Eleitoral e Poder de Polícia. |